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domingo, 26 de julho de 2020

2 em 1

Tô chegando num dos trechos que mais me encantou, desde quando comecei a viajar, pedalando por aí. Enquanto não chego lá, fiquem com o relato de mais uma parte do "trecho" (gíria "hippie", que se refere à estrada e à vida sem raízes). Lembrando que, as partes entre parênteses são comentários de hoje sobre o que aconteceu na época que eu escrevi no meu caderninho.

09/01/19: Algumas coisas aconteceram nestes dias, mas não deu para escrever. No dia 07, parti de Rio Negro em direção a São Gabriel Do Oeste (62km). Era o caminho mais longo para chegar a Rio Verde de Mato Grosso, mas pelo menos era asfaltado (o caminho direto são 75km). A estrada direta é de terra e não quero pedalar na terra com a Frankenstina pesada (na verdade, não é a estrada inteira, mas dá uns 50km e, pelo que me falaram, cheio de subidas. Ainda estava no começo da minha viagem e não quis arriscar. Saí às 7h da manhã de Rio Negro e cheguei em São Gabriel do Oeste às 10h).

Bem no começo, quando virei à direita para tomar a rota de asfalto, ao invés de seguir em frente para a estrada de terra, havia um restaurante na "esquina". Neste restaurante, um cachorrinho começou a me seguir. Parei de pedalar e ele chegou, meio tímido, meio com medo. Brinquei um pouco e fui pedalando com ele me seguindo. Um pouco mais à frente, passei por uma chácara com cachorros maiores que ficaram latindo e ele não passou. (Pensei em voltar para trazê-lo junto de mim, mas achei que seria um problema para conseguir hospedagem. Na época não tinha barraca ainda).

Depois de mais ou menos 1 hora pedalando, eu vi que o tempo estava fechando e que já chovia mais pra frente. Pouco depois, um caminhão encostou, ofereceu carona e eu aceitei. Prendi a Frankenstina no caminhão e subi. 5 minutos depois, veio a chuva (eu gosto de fazer o percurso inteiro no pedal, dá um pouco de orgulho e sentimento de conquista, mas a estrada que eu estava só tinha uma faixa indo e uma voltando e não tinha acostamento. Eu pedalava no limite da estrada, em cima da faixa lateral e achei que pedalar nesta estrada, na chuva, não seria uma boa ideia). Conversamos muito pouco, a maior parte do tempo ficamos em silêncio. Ele me deixou na entrada da cidade e me explicou como chegar ao centro. Fui até um posto de gasolina, na saída da cidade, abastecer as garrafas com água. Perguntei onde tinha uma bicicletaria para corrigir umas coisinhas e dar um banho na Frankenstina. Deixei-a lá junto das minhas coisas e fui atrás de hospedagem.

Pedalada começou com céu aberto

Uma das coisas mais legais da pedalada, é ver coisas lá na frente...

... e alcançá-las. Não por ansiedade, porque eu nem sabia se a estrada me levaria para perto do morro, mas pelas pequenas conquistas do caminho


Serra de Maracaju, que corta o estado do MS.

Tempo começando a fechar

Achei um wi-fi aberto e sentei para almoçar (feijão descongelado e ovo cozido), de frente à praça da igreja, que esteve fechada o tempo todo (fiquei ali na praça algum tempo vendo se a igreja iria abrir para pedir hospedagem, mas não adiantou). Fui, então, à uma escola, só que não podia receber ninguém, a menos que fosse feito um pedido à secretaria da educação 30 dias antes (peguei a ideia da escola do livro Fé Latina). Porém, o pessoal da escola me indicou um abrigo, na "casa de passagem" (que nada mais é do que um albergue. Neste caso, me parece que é mantido em conjunto entre a prefeitura e a igreja católica). Ao chegar, fiz o cadastro e recebi, mais ou menos, as regras. Teria as 3 refeições, as coisas ficariam trancadas em armários e as chaves ficavam com as assistentes sociais, só podendo abrir duas vezes por dia, sendo que, a segunda, era só na hora dos abrigados irem embora (por esse motivo eu não escrevi nada em São Gabriel do Oeste) e não poderia ter nada cortante/perfurante. As outras regras, fui pegando aos poucos. Não pode sair depois das 17h, não pode ficar no quarto durante o dia, nem de noite, antes da hora de dormir. Assisti a um filme, então (pelo celular, apesar de não ter wifi lá. Já tinha baixado pra pode assistir em casos assim).

Fui dormir, para ser acordado às 5h30 para o café da manhã. Tomei café, enrolei um pouco e fui caçar uma cachoeira que tinham me falado que existia na cidade, que na verdade eram 3 em sequência. Uns 15km depois, sendo 10 de terra/barro/pedra, várias perguntas e confirmações do caminho e uma entrada errada, cheguei. Fui bem cauteloso por não conhecer o local e pelo fato da água ser barrenta, mas era tudo raso. Tentei ir até a segunda, que parecia ser muito alta (só vi a parte de cima dela), mas não achei trilha que me levasse até lá e eu tinha visto várias pegadas que acho que eram de jaguatirica, lobo-guará e onça parda, então não quis me arriscar muito em mata fechada (pois estava muito fechada), principalmente porque ela se afastava do rio e estava interditada em vários pontos. Voltei na hora do almoço. Comi e "tirei a siesta", sentado no sofá. Quando acordei, fiquei pensando no que iria fazer, pois minhas 24h estavam acabando e eu não podia ficar mais uma noite, pelas regras do local. Eu até voltei à igreja, mas ainda estava fechada. Decidi, então, ir embora para Rio Verde de Mato Grosso, naquela hora mesmo.

Algumas das pegadas que encontrei pelo caminho

Cachoeira "Los Pagos" (ou uma delas, pelo menos. A única que consegui alcançar)

Tempo nublado, sem sol comendo o juízo, sem sofrimento, fui embora. Apesar dos pesares, foi bom eu ter ficado no albergue: eu jantei no dia 07, tomei café da manhã, almocei e tomei café da tarde no dia 08 e ainda peguei umas bananas pra levar comigo. Tá ótimo! Saí 15h30 de lá e parti para 65km de pedal (isso no dia 08/01. Em Rio Verde de Mato Grosso, eu já tinha uma hospedagem garantida me esperando, através do Warmshowers, que é outra plataforma de hospedagem gratuita, porém exclusiva para cicloviajantes). Estrada duplicada e com acostamento largo todo para mim!!! Melhor coisa é pedalar sem precisar ficar olhando pra trás a cada 5 segundos, pra ver se vem carro, caminhão, ônibus... Nem me importei com os 30km de subida constante, porém leve (foram 30km em ritmo constante e velocidade boa, sem mudar marcha), que começaram apenas 2km após ter saído da cidade. Subidas ruins são aquelas que são curtas, mas íngremes. As longas e íngremes são pesadelos. Quando acabou a subida, acabou também a pista dupla e o acostamento direto virou "vai-e-volta". Começaram, também, algumas subidas mais íngremes. Mas, vamos lá. Sobe a marcha e pedala com convicção!

Acostamento delicioso

Momento para descansar, beber água, comer e fazer graça

Algumas fotos da estrada, ou são porque eu achei o lugar bonito ou interessante...

... ou são só pra poder descansar

Faltando 2km pra chegar, vi uma placa indicando Rio Verde a 10km. Eu vim acompanhando a quilometragem da pista o caminho todo. No final, fiz a conta errada. Droga! Queria chegar antes de escurecer, mas não deu. Os últimos 3-5km foram já no escuro. Às 20h em ponto cheguei na cidade. 4h30 de pedal, de novo, só que, desta vez, eu já havia pedalado 30km de manhã e não estou tão cansado como das outras vezes. Na próxima, tentar diminuir o tempo. Procurei um lugar com wi-fi para falar com o Bruno, meu anfitrião, irmão do Domingos, quem eu conheci no Warmshowers, mas que não mora em Rio Verde de Mato Grosso, mora em Dourados. Enquanto esperava por ele para irmos à sua casa, tomei um isotônico (sem propaganda grátis). No caminho pra casa dele, ele me falou que também queria fazer uma cicloviagem junto do irmão, mas que havia casado e adiado os planos (eles até começaram a fazer: saíram de Campo Grande com destino a Rio Verde de Mato Grosso, mas pararam em Bandeirantes e pegaram um ônibus. O que não é pouca coisa, pois são 70km entre as duas cidades). Chegamos na casa dele, jantamos, tomei um banho e capotei de cansado, mas não dormi direito, pela quantidade de mosquitos e outros insetos. Tomei outra banho, desta vez de repelente (um resto que eu tinha trazido comigo de Ilhabela, à base de citronela, que funciona maravilhosamente bem) às 3h da manhã, e dormi bonito, só acordando às 9h50.



Fim do dia. Eu achei que ia conseguir chegar antes de escurecer, mas não deu.

Estrada da besta!

Banheiro onde tomei banho, da melhor maneira que consegui. E eu não estava em cima de nada!

Os acontecimentos do dia 09, propriamente dito, continuam no próximo post.

170km pedalados entre cidades.

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