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domingo, 9 de novembro de 2025

Jaciara Pt. 3

Quinta, 24. Acordei cedo, como sempre faço quando acampo, com o barulho dos pássaros, a luz do sol e o calor insuportável dentro da barraca. Os primeiros horários da manhã, assim como os últimos horários da tarde, são os melhores horários para fotografar pássaros. Porém, foram poucas as capturas que consegui fazer neste dia, logo que acordei. 

Sabiá-barranco (Turdus Leucomelas)

Tico-tico-rei (Coryphospingus Cuscullatus) macho

Tico-tico-rei (Coryphospingus Cuscullatus) macho

Então, comi alguma coisa que tinha guardado (alguma fruta e\ou sanduíche) e parti em direção à cachoeira da Martinha. Passei pela cachoeira da Fumaça e cheguei, 1km depois, à entrada do local onde ela fica. Aparentemente, houve uma tentativa da prefeitura de incentivar a visitação ao local, com a construção de um portal, uma rua calçada para entrada de carros e um salão de informações turísticas. Porém, o portal não foi concluído, o salão está abandonado e o mato tomou conta do lugar, quase impossibilitando os carros de entrarem. É triste ver um local tão bonito, em uma cidade com um imenso potencial turístico, estar tão abandonado. Como na maioria dos lugares de acesso gratuito, principalmente os que estão abandonados, as pessoas que visitam o local não prezam pela preservação e o lixo está espalhado por todo lado. Não sei dizer se isso explica o abandono ou se é uma consequência dele. O que sei dizer, é que brasileiro não tem educação - de todas as formas possíveis de significado da palavra - e não respeita o (meio) ambiente. 

O local de entrada fica acima da cachoeira e é possível ir até à beirada para olhar abaixo. O rio é bem estreito e com pouca água, mas, mesmo assim, forma uma cachoeira bem gostosa. A trilha de descida fica à direita da cachoeira e tem apoio de corrimão e uma escada em parte do caminho. Após a descida da escada, o caminho vai um pouco acima do nível do rio em chão batido, mas é de fácil acesso e bem curta. O caminho todo deve dar 500m. Ao chegar à cachoeira, que fica à esquerda, há um deck grande de madeira construído, que é um ótimo lugar para tirar fotos (pra quem gosta). À direita, há uma escada para descer ao nível do rio e acessar um pequeno espaço de areia, que é o único lugar onde bate sol e dá para sentar de frente para a queda.

Vista acima da cachoeira

Cachoeira da Martinha

Pipira-vermelha (Ramphocelus Carbo)

Todo o "lago" que é formado abaixo da queda é bem raso e não dá para nadar muito, que é o que eu gosto de fazer. Eu sabia que havia outro ponto para banho, mas que não ficava no mesmo local, portanto, cerca de meia hora depois de ter chegado, subi a escada, peguei a Frankenstina e fui para o outro ponto, dentro do mesmo ambiente. Atrás da construção onde deveria ter informações turísticas, existe uma estrada de mais ou menos 1km até chegar ao outro espaço de acesso ao rio, que faz parte do "Complexo da Martinha". Neste ponto, que fica acima da cachoeira da Fumaça também no rio Tenente Amaral, tem algumas quedas d'água, porém bem menores do que a da Martinha. 



A queda principal deste ponto do rio

Mas, o mais bonito mesmo, é acima de todas as quedas, onde o rio é bem mais amplo, apesar de ser perigoso pela correnteza forte e pelas locas (buracos no solo, embaixo da água). Inclusive, algum tempo depois (ou antes, não me lembro direito), um adolescente morreu afogado e só foi encontrado alguns dias depois. 






Tinha algumas pessoas neste dia lá, então eu resolvi avançar um pouco subindo o rio, para ver o que mais tinha para cima, tanto por isso, como porque eu queria ver se havia algum ponto que não tinha pedras para poder nadar mais livremente. Eu até encontrei um local assim, mas a água estava bem parada e estava um pouco afastado do movimento, então fiquei com receio de ter alguma sucuri e logo retornei ao ponto das pedras.




Neste momento que retornei ao ponto mais amplo do rio, já era 11h e achei uma sombra para comer o que havia levado. Depois de ter comido, descansei um pouco, esperando a comida baixar, e comecei a procurar um espaço seguro o bastante para ficar dentro da água naquele ambiente de correnteza forte e muitos buracos. Até encontrei alguns pontos que dariam, e fiquei por algum tempo, mas não estava muito confortável pelo constante sentido de alerta que estava ativo em mim. Então, resolvi voltar para o ponto onde estava a maioria das pessoas e onde tinha a queda mais alta daquela parte do complexo.



Já na parte "de baixo"

Ariramba-de-cauda-ruiva (Galbula Ruficauda)

Por volta das 13h fui embora, com o objetivo de ir até à cidade, tanto para comprar comida, como para falar com minha família, pois não pegava internet onde eu estava acampando e nem ali nas cachoeiras. Porém, eu passei por uma mercearia\mercadinho ali na "vila" mesmo, cerca de 2km de onde eu estava; resolvi comprar alguma coisa ali mesmo e voltei para o meu acampamento dar mais um mergulho, tirar fotos e descansar do dia puxado!

Pipira-vermelha (Ramphocelus Carbo)

Saí-andorinha (Tersina Viridis) fêmea

Juruviara (Vireo Chivi)

Juruviara (Vireo Chivi)

Pipira-preta (Tachyphonus Rufus) fêmea

Pipira-preta (Tachyphonus Rufus) fêmea

Pipira-preta (Tachyphonus Rufus) macho

Udu-de-coroa-azul (Momotus Momota)

Urubuzinho (Chelidoptera Tenebrosa)

Urubuzinho (Chelidoptera Tenebrosa)

domingo, 12 de outubro de 2025

Jaciara Pt. 2

Quarta, 23. Após almoçar na casa do "seu João protético" - acredito que era assim que ele era conhecido na cidade e, por algum tempo, eu fiquei achando que ele tinha uma prótese, talvez na perna, e não que sua profissão era fazer próteses dentárias -, onde ele me falou sobre a cachoeira da Martinha, que ficava 1km após a cachoeira da Fumaça e sobre a Marina, uma garota argentina que também havia chegado na cidade viajando de bicicleta, mas que havia ficado e dava aulas de espanhol, parti em rumo de ambas as cachoeiras. Minha primeira parada foi na da Fumaça. O pessoal que toma conta de lá, por ser meio de semana e eu ter contado parte da minha história, permitiu que eu entrasse sem pagar nada (na época, a entrada era R$10,00 por pessoa).

Logo na entrada, esta Ariramba-de-cauda-ruiva (Galbula Ruficauda) macho fazendo as honras da casa

Neste local, foi construída uma usina hidrelétrica para alimentar alguma fábrica de alguma coisa que tem lá. Isso fez com que um canal fosse construído ao lado da trilha que desce para o cânion onde a cachoeira está localizada e, pela vazante ou de propósito, duas novas cachoeiras surgiram na lateral.

Vista do ponto onde está a usina, com a trilha de passagem construída e o topo da cachoeira à direita

Vista da cachoeira e do cânion. Queda de mais de 30m de altura

Um dos pontos de vazante do canal da usina, que forma uma das cachoeiras artificiais

Outro ponto de vazante

Já no leito do rio, após toda a descida


Uma das cachoeiras artificais

A imponente cachoeira da Fumaça



Fiquei cerca de uma hora lá embaixo, nadando, relaxando, descansando... São poucos os pontos onde é possível sentar e ter uma boa vista da cachoeira principal - e natural -, principalmente se você quiser ficar na sombra. Depois deste tempo, resolvi subir de volta. Ao mesmo tempo que é gostoso ter tudo aquilo só pra você (apesar de que tinha umas outras 5 pessoas lá embaixo junto), principalmente pelo silêncio humano, ouvindo apenas a água caindo e correndo e os pássaros cantando, falta alguém para compartilhar aquilo e desfrutar juntos. Dar significado. Quando subi de volta, passei algum tempo conversando com o pessoal lá para agendarmos a descida de rafting que eu tinha interesse em fazer.

Na subida, encontrei este carinha da foto. Ele me fascinava antes mesmo de eu saber que era ele. Já o havia ouvido em Barra do Garças diversas vezes, mas nunca o havia visto. O canto dele parece um assobio chamando cachorro e é bem presente próximo a cachoeiras. O nome dele é Soldadinho (Antilophia Galeata) e este é um macho


A fêmea do Soldadinho também se fez presente

Depois de passar um tempo conversando, voltei ao meu acampamento no final da tarde e aproveitei para desfrutar do local. A sensação de não ter horário ou compromissos é extremamente satisfatória. Principalmente, quando se está na beira de um rio\cachoeira, onde não se ouve nada mais do que a água correndo e os pássaros e outros animais que habitam o local.

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Jaciara Pt. 1

(Continuação do relato escrito em 23/09/2020) Segunda, 21 (18h30, logo quando cheguei em Jaciara). Cruzei com alguns policiais e perguntei se eles sabiam de algum lugar onde poderia acampar. Me falaram que tinha um outro pessoal de bicicleta acampando na praça. Fui até lá e tentei me enturmar, mas não deu. Eram 5 cicloviajantes que estavam juntos. Não usavam barracas e eram uns 10 anos mais novos que eu (tinha um que eu acho, inclusive, que era menor de idade). Fiquei ali algum tempo, que serviu só pra eu saber de um posto de gasolina que tinha banheiro com chuveiro grátis - em alguns horários apenas. Fui até o posto (que ficava a menos de 1km dali) e deixaram eu acampar e tomar banho sem pagar, contanto que eu desmontasse a barraca de manhã cedo, o que não é um problema para mim.

Terça, 22. Passei a manhã no posto e saí depois do almoço. Meu objetivo era a cachoeira da Fumaça, mas, uns 4km antes, vi uma trilha que descia da estrada em direção ao rio e resolvi ver aonde ia dar. Cheguei a um lugar descampado, na beira do rio e resolvi montar acampamento ali mesmo. Ainda voltei para a cidade para buscar minhas roupas que tinha deixado com a moça que limpa o banheiro, pois ela também lava roupas e as tinha levado para isso. Aproveitei para comer e beber um suco, pois iria beber só água nos dias seguintes. Cheguei à uma lanchonete, que já estava fechando, e me deram desconto para fechar logo e vender tudo. Peguei duas coxinhas e ainda levei dois salgados para comer mais tarde e tomar café da manhã. Voltei para o meu local de acampamento na beira do rio, tomei um banho e me recolhi. Como não tenho costume de fazer fogueira, tanto para não causar acidentes, como porque eu não costumo carregar comida pra fazer (até porque nem tenho panela) e nem sinto frio, não fico fora da barraca de noite (eu não conhecia o local, não sabia quais animais habitavam aquela região, então não arrisquei, como nunca o faço).

(Este foi o meu último relato escrito no caderno. Por um ou outro motivo, ou vários, ou nenhum, eu parei de escrever e relatar o que acontecia nas minhas viagens. A partir de agora, tudo o que eu escrever, será trazido da memória. Infelizmente, muitas coisas se perderão. Afinal, faz mais de 5 anos que estas coisas aconteceram.)

Vista da estrada de uma das corredeiras\cachoeiras ao longo do rio Tenente Amaral

Vista do local onde armei acampamento. Assim que acordei no dia 23

Meu comitê de boas-vindas: um Sanhaço-cinzento (Thraupis Sayaca) à esquerda - azul- e uma fêmea de Saí-andorinha (Tersina Viridis) à direita (verde) do outro lado do rio de onde eu estava


Um macaquinho (não sei dizer qual)

Quarta, 23 (escrito de memória). Após acordar e ficar alguns minutos ali parado olhando o rio e tirando as fotos acima, resolvi explorar a região. O lado esquerdo de onde estava (rio acima), me parecia mais promissor e mais fácil de chegar a algum lugar, com mata menos fechada, e foi para onde eu fui. Andei mata a dentro por uns 10 minutos, até chegar a um belo lugar, com uma mini praia e fiquei ali sentado. Entrei no rio e tomei um banho na forte correnteza do Tenente, quando encontrei uma rede de pesca esticada de uma margem à outra. Puxei a rede, arrebentando-a e rasgando-a o máximo que consegui e a joguei no mato. Não tinha nenhum peixe preso a ela.

Um dos pontos de acesso ao rio, com uma "micro-praia"



A mini praia onde encontrei a rede de pesca



Bem-te-vi (Pitangus Sulphuratus)

Vida dura

Passados alguns minutos que eu havia rasgado a rede, comecei a ouvir vozes e barulho vindos da trilha por onde eu havia vindo até aquele ponto do rio. Eram dois senhores e um adolescente, que vieram verificar a rede de pesca. Eu dei bom dia morrendo de medo de sofrer alguma consequência por ter rasgado a rede, mas não acho que eles sabiam que tinha sido eu, ou não tinham provas, pelo menos. Apenas ficaram com uma cara de desconfiados e foram logo embora. Ainda por medo, resolvi ir logo atrás para verificar minha barraca e a Frankenstina. Ao voltar, comecei a conversar com um deles, um simpático senhor, que parecia mais um guia do que alguém que, de fato, se interessaria por colocar uma rede de pesca ali. Contei um pouco sobre quem eu era e o que fazia ali e ele, o seu João, afirmou que estava encantado pelo fato de eu haver colocado um cadeado nos zíperes da barraca. Não iria impedir que alguém entrasse caso o quisesse, afinal, era só rasgar a lona plástica, mas passava o recado de que havia alguém ali cuidando do que era seu. Ele me disse que era um morador local e que seu rancho ficava próximo dali, a cerca de 2km indo em direção à cidade. Me convidou para ir lá almoçar e partiu com seus colegas.

Isso tudo era por volta das 9h da manhã. Quando deu umas 10h30, fui à casa do seu João. Ele estava com algumas visitas e comentou com elas o mesmo fato de que eu coloquei um cadeado no zíper da barraca, dizendo: "Não impede que alguém faça algo, mas deixa claro que tem dono". O fascínio era evidente. Depois, ficamos conversando sobre minha viagem e outras coisas até à hora do almoço. Após almoçar, agradeci e me despedi, rumo à primeira cachoeira da cidade.