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quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Tchau Poxoréu

(Continuação do relato escrito em 02/09/2020): Terça 01. Acordei às 5h pelo meu despertador natural, chamado "Maritaca" e comecei a arrumar minhas coisas para partir. Fui arrumando sem pressa, conversando com os amigos que fiz no posto e fui ao banco pegar dinheiro, pois meu objetivo era acampar numa cachoeira que fica a 25km da cidade, já no caminho para Rondonópolis, que seria minha próxima parada (esta cachoeira, chamada de "do Porto", apesar de ter seu acesso mais próximo da cidade de Poxoréu, faz parte do município de Juscimeira). A entrada era cobrada e eu não sabia se aceitaria cartão, então precisava ter dinheiro em espécie. Com tudo isso, acabei saindo somente às 10h20 (como a distância era curta, não vi problema sair neste horário). O caminho foi tranquilo até a saída do asfalto, apesar de algumas subidas longas (no caminho, mais ou menos na metade, parei em um restaurante para almoçar e confirmar o trajeto. Haviam me explicado mais ou menos como fazia para chegar, mas eu já havia percebido que não era comum ter placas de indicação nesta região, então perguntei de novo. O dono do restaurante me falou novamente como fazia, mas, mesmo assim, ainda fiquei em dúvida quando cheguei ao ponto onde deveria sair do asfalto. Felizmente, era o lugar certo). Foram apenas 5km de terra, porém, 3 deles foram na areia, o que me fez levar mais de uma hora para conseguir atravessar estes 3km.

Ao chegar, às 14h40, deixei minhas coisas ali na lanchonete e fui direto dar um mergulho. Só depois de alguns minutos na água que eu voltei e acertei o pagamento. E, logo depois, voltei para a água, onde fiquei até pouco antes de escurecer, lá pelas 17h, quando saí para montar a barraca. Olhei toda a área reservada para camping, procurando o melhor lugar que não tivesse muita pedra/raiz/toco, onde o solo fosse mais limpo. Achei um e comecei a montá-la. Levantei a armação e parei. Era impossível continuar pela quantidade de "borrachudos" que estavam drenando meu sangue. Me tranquei dentro da barraca e esperei anoitecer para terminar com a montagem. Preferi enfrentar cobras do que os borrachudos (mas não vi nenhuma).

Um pouco pra cima da primeira cachoeira






Acima da primeira cachoeira, olhando para a queda da terceira

A primeira cachoeira

Ela é maior do que parece na foto

A cachoeira ao fundo

Acima da segunda cachoeira, de costas para a primeira

Quarta 02. Levantei por volta das 6h. Eu tinha de comida: dois pasteis de carne (que ganhei da mulher do restaurante no posto, pois eles estavam velhos e ela iria jogar fora), 3 pães com queijo e mortadela, meia marmita e dois cajus amassados que tinha perdido quase todo o sumo (levar fruta em bagagem sempre dá ruim. Só maçã que aguenta). Comi um dos pães e meio caju, pois não dava para comer todo, estava muito sem gosto e o pão já estava com gosto de estar no limite de estragar. Os pasteis e a marmita estavam na geladeira da lanchonete, a pedido meu. Durante a noite, fez um friozinho, como eu já imaginava que faria, e dormi com meu "pijama": blusa de moletom, calça jeans (a única que tenho) e meia. Porém, meu pijama se tornou, também, meu "kit anti borrachudo". Só não esperava ser picado no lábio. Inchou na hora, mas só durou algumas horas. Ainda estava meio frio, cedo de manhã, então fui andar pelo local para tirar fotos. Resolvi descer até à última cachoeira, mas não tinha ideia de que o caminho seria tão difícil! São apenas 200m de trilha, mas o problema não é ali e, sim, na hora de descer até o leito do rio. A mata estava toda queimada de incêndio recente ao longo da trilha. Se foi espontâneo ou causado, não sei dizer. A cachoeira fica do outro lado do vale cercado por montanhas por volta dos 30m de altura. Existe uma trilha demarcada para a descida, mas ela é muito íngreme e sem apoios, sendo preciso praticamente escalar pelas raízes e pedras para chegar/sair. No entanto, vale muito a pena o trabalho para chegar: uma queda enorme, mas relativamente "fina", que forma quase que uma praia redonda, bem rasinha em toda sua extensão. Eu havia pensado somente em tirar fotos, porém, depois de toda a dificuldade para descer, que até me fez desistir de ir uma segunda vez até lá, aliado à beleza do lugar, resolvi tomar banho. Eu estava com meu "pijama/kit anti borrachudo", mas eu sabia que não ia aparecer ninguém lá, então resolvi nadar "in natura". E, se aparecesse alguém, eu provavelmente ouviria. A água estava maravilhosa. Fiquei ali por volta de uma hora no esquema "entra na água pra fugir dos borrachudos - sai da água pra tirar fotos/apreciar e veste a roupa". Eu ainda acrescentei uma outra parte ao "kit", que foi uma camiseta amarrada na cabeça. Depois deste tempo ali, resolvi subir, pois ainda tinham duas cachoeiras para conhecer. 

O fogo vem e passa, mas a vida resiste

Ponto mais alto da queda, quase no mesmo nível de onde eu estava, acima do vale

Vista de cima do vale

Visão vai longe

A cachoeira

Belezas naturais

Pipira-da-taoca (Eucometis penicillata) em seu café da manhã

Pipira-da-taoca (Eucometis penicillata)

Mais belezas naturais

Pipira-vermelha (Ramphocelus carbo)

A subida foi tão difícil quanto a descida. A segunda cachoeira fica logo abaixo da primeira. Uma queda grande também, por volta dos 15m de altura e com grande volume de água, porém, não tem muita área para banho, tendo muitas rochas por toda a parte, mas dá para tomar massagem do lado direito da queda maior. Dali, eu desci um pouco seguindo o fluxo do rio e vi várias outras quedinhas e um paredão enorme, de onde também caía água (mas apenas gotas). Logo voltei e fui para a primeira, onde já havia tomado banho ontem. A queda não é tão alta, mas é onde tem o poço mais fundo e dá para nadar de verdade, apesar de também não ser tão fundo assim. Em nenhum ponto a água me cobriu. 

Chegando na segunda cachoeira

Pra massagem, é a melhor

Uma quedinha logo abaixo da segunda cachoeira. Tem vários outros degraus assim mais pra baixo




Taperuçu-velho (Cypseloides senex), conhecido no Mato Grosso como "Andorinhão". Costuma fazer seus ninhos atrás das cachoeiras

Taperuçu-velho (Cypseloides senex)

Anu-preto (Crotophaga ani)

Pica-pau-de-topete-vermelho (Campephilus melanoleucos) macho

Pica-pau-de-topete-vermelho (Campephilus melanoleucos) se alimentando

Ariramba-de-cauda-ruiva (Galbula ruficauda)

Então, voltei para a lanchonete. O dono estava ali, conversando com um empregado dele. Depois de algum tempo, puxou papo comigo. Depois de um pouco de conversa, perguntei para ele se ele servia refeição. Ele disse que não e eu fiquei calculando como fazer para minha pouca comida durar o tempo de minha estada lá e para minha viagem. Foi então que ele falou que iria me dar almoço e janta. E realmente deu! Dois pratões de peão para eu comer até encher todos os buracos do meu corpo. De tarde eu ainda fui em uma outra cachoeira que o dono tinha me falado que tinha mais para cima do rio, mas é bem pequena. Serviu para tirar algumas fotos pelo caminho dentro do rio.

Rabo-branco-acanelado (Phaethornis pretrei)

Rabo-branco-acanelado (Phaethornis pretrei

A cachoeira que tem pra cima, que, tecnicamente, seria a primeira, mas é pouco visitada e "não conta"


782km pedalados entre cidades.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Última noite em Poxoréu

(Continuação do relato escrito em 30/08/2020) Domingo 30. IRIA!!! Acordei cedo, desmontei a barraca, carreguei a Frankenstina e parti às 7h30. O guia que eu tinha conversado, me explicou como fazia para chegar e eu estava com as instruções. Saindo da cidade, depois da ponte, virar à esquerda. O único problema é que, depois da ponte, não tinha nenhuma saída para a esquerda, só uma subida com grau de inclinação por volta dos 100º (um leve exagero, mas eu não consegui subir pedalando, precisei descer da bicicleta. Também porque era muito estreita e tinha uma curva que me escondia dos carros). Depois desta subida, tinha um outro bairro. No final do bairro, pedi informações para um morador. Ele começou a falar nomes de vilas e/ou cidades para me explicar. Eu falei que não conhecia nada, pois não era da cidade. Ele disse "pois é" e continuou de onde parou, sem nem se importar com este fato. Só serviu para me confundir. Logo após esse bairro, começou uma subida que se estendeu por 20km. Mas não era uma subidinha, era muito íngreme e longa. De vez em quando, ficava mais plano, mas logo volta a subir. Passei por outra ponte e pensei que poderia ser ali que tivesse uma saída para a esquerda, mas, novamente, não havia alguma. 

Às 11h, eu cheguei a um bar na beira da estrada (o primeiro lugar que encontrei com pessoas) e perguntei se faltava muito para a cachoeira, porém com aquela sensação concreta de que havia pegado o caminho errado. E meu medo fazia sentido: eu tinha passado 20km da saída para a esquerda. Exatamente os 20 de subida. Sentei para descansar e criar coragem para voltar. Dei "sorte" que um dos caras lá estava de caminhonete, indo exatamente a Poxoréu e me deu carona. Dei sorte também que ele estava bebendo apenas refrigerante. Eu havia, naquele instante, desistido oficialmente de conhecer a cachoeira do Lucas, após a terceira tentativa frustrada (as outras duas podem ser lidas aqui neste link https://pedaladordehistorias.blogspot.com/2021/07/explorando-primavera-do-leste-parte-1.html ). Na volta, o motorista me mostrou aonde eu deveria ter virado à esquerda. Era, realmente, depois da primeira ponte, só que 5 QUILÔMETROS DEPOIS, APÓS O BAIRRO. Uma coisa é 5km de carro, outra é de bicicleta em um lugar que você não conhece. Voltei ao posto e fiquei morrendo de cansaço e calor o resto do dia. Amanhã vou até à secretaria de turismo ver se consigo convencer o guia a me levar à cachoeira.

(Relato escrito em 02/09/2020) Segunda, 31. Fiquei meio na preguiça, meio descansando do pedal do domingo, até que me lembrei que a secretaria de turismo, aliás, todas as secretarias da prefeitura da cidade, só abriam de manhã. Fui, então, correndo para a secretaria de turismo tentar falar com o guia. Cheguei lá por volta das 11h e já estava fechada. Isso fez com que eu decidisse ir embora no dia seguinte. Ainda havia várias cachoeiras a visitar, mas, os fatos de não haver sinalização, eu não conhecer a região e elas serem afastadas da cidade mais de 25km, pesaram para que eu desistisse de visitá-las. 

(Por algum motivo que me foge à razão, eu deixei uma parte importante de fora das minhas anotações no caderno e a contarei agora, daqui até o final do post.)

No final da tarde da segunda-feira, um dia antes de ir embora, eu decidi subir o morro sozinho. Eu havia entrado no terreno do morro no meio da tarde do domingo, como relatei no post anterior, e já sabia mais ou menos para onde ir. Não iria ver o nascer do sol, mas iria ver o seu pôr. Assim, eu faria a trilha ainda durante o dia e seria mais difícil eu me perder. E, mesmo que eu me perdesse, seria fácil achar a trilha de volta. Cheguei na entrada secundária - e interditada - do morro, levei a Frankenstina um pouco mais para o meio do mato para escondê-la um pouco mais e trancá-la, atravessei a cerca e comecei a minha subida. 

Cheguei na árvore caída, que relatei no post anterior, passei pelo meio dos galhos e segui em frente, com um certo receio de estar no caminho errado. A menina local que eu havia conversado, tinha me dito que existem duas trilhas: uma para a época de chuvas e outra para a época seca. Porém, segui em frente. Logo depois da árvore, a mata fechada se abriu e eu pude ver o morro claramente e pude ver também a trilha que seguia e me deu mais confiança para continuar. Nos primeiros 15 ou 20 minutos de trilha, é plano ou com uma subida muito leve e dá pra ir com um ritmo bom. Após este tempo, começa a ficar um pouco mais difícil. Em uma das mais difíceis, senão a mais difícil, é preciso escalar minimamente para subir, apesar de já estar bem marcado pela frequente passagem de pessoas.

O morro que se abriu para mim

Depois deste trecho mais difícil, a trilha voltou a seguir em subida suave. Em um ponto, cheguei até uma cerca e passei no meio dela. Ali, eu vi uma estrada que levava, para a direita, descendo, à sede da fazenda Morro da Mesa, por onde as pessoas normalmente entram para visitar o morro e onde sobem de carro até aquele ponto onde eu estava para fazer apenas o percurso final a pé. Para a esquerda, acima, a trilha que levava ao morro. Este caminho leva para a parte de trás do morro, rodeando-o até chegar a algumas escadas e um "portal" de entrada do morro. Este trecho é o mais perigoso, pois é bem estreito e tem um abismo do seu lado esquerdo (subindo). Porém, é um trecho curto e logo chega-se ao topo do morro: uma campina descampada, com apenas alguns arbustos baixos espalhados aqui e ali. A trilha segue "cortando" o morro, de uma ponta a outra, pois o local onde as pessoas normalmente ficam para apreciar o nascer/pôr do sol, é do outro lado, de onde, também, se tem uma visão da cidade de Poxoréu.

Vista da subida antes do "portal"

O "portal". Pode-se ver que o caminho é bem estreito e ao lado de um abismo. Logo após este "portal", existe um corrimão, mas somente por alguns metros

Do outro lado do "portal"

Já no topo


Andorinhas que voavam e brincavam. Às vezes passavam bem próximo a mim e faziam um barulho que parecia que estavam querendo demarcar o território e afugentar o "invasor"


A lua já se mostrando antes do pôr-do-sol

O topo do morro em sua extensão




Após atravessar toda a extensão do topo do morro e chegar ao outro lado, parei para descansar e olhar a casa que existe lá em cima. Assim como o "portal", ela é toda desenhada, colorida e escrita. Também existe uma torre de alguma coisa lá em cima, ao lado da casa. Ali foi onde eu "me instalei" para assistir ao espetáculo de cores do fim do dia no cerrado. E, além do espetáculo do astro-rei, pude presenciar também o retorno para casa de um casal de Araras-vermelhas, que contribuiu mais ainda para o cenário colorido ao qual eu estava assistindo. Já havia um grupo de pessoas lá em cima quando eu cheguei, provavelmente uma família, que também esperava pelo espetáculo. Eles ficaram um pouco mais ao centro do morro e eu fui mais para a beirada, perto do paredão, de onde puder ver o casal de Araras.

A casa no morro

Seja e volte bem-vindo sempre





Poxoréu

O casal chegando em casa

Descansando um pouco antes de entrar em casa, tomando os últimos raios de sol

Arara-vermelha (Ara chloropterus)

"Pogo-sol". Só quem tem mais de 30 vai entender essa




Gibão-de-couro (Hirundinea Ferruginea)

Gibão-de-couro (Hirundinea Ferruginea)






Já em seu lugar de descanso, seu ninho sagrado

Fiquei ainda alguns minutos lá em cima após o sol já ter desaparecido no horizonte, mas comecei a descida quando ainda estava claro. Porém, logo isso mudou. Quando cheguei ao "portal", já estava escuro. Mas isso não foi um empecilho, tanto porque eu já esperava isso, como porque eu sabia mais ou menos o caminho, mas, também, porque eu tive uma experiência que eu não me lembro de já ter tido em minhas vidas antes: a lua cheia estava tão grande, com o céu tão limpo, que eu estava conseguindo enxergar quase tudo. Aliás, a lua estava fazendo sombra do meu corpo!!!! Se não fosse pela possibilidade de cruzar com alguma cobra, eu não precisaria ligar a minha lanterna. Pra mim, que sempre vivi em cidades grandes, isso foi uma coisa excepcional e surpreendente, sem contar que a sensação foi maravilhosa. Eu estava descendo e dando risada sozinho deste fato.

A lua brincando de esconde-esconde, saindo de trás do morro para iluminar o caminho. Por favor, não venham dizer que a lua não ilumina, que ela não produz luz própria, que ela apenas reflete a luz solar, eu sei disso

Maravilhosa

Eu estava andando e vendo luzes acendendo e apagando no meio do mato. Comecei a achar que era uma miragem, algum "espírito", mas era só uma árvore que alguém teve a ideia de colocar "pisca-pisca" - aquelas luzes de natal - nela

Achoooooouuuuuu

A descida foi bem tranquila e o caminho estava ainda fresco em minha mente. De vez em quando eu ouvia a família atrás de mim, conversando, quando eu parava para apreciar o ar, a vista no escuro iluminado ou para tirar alguma das fotos acima e também via suas lanternas aparecendo e desaparecendo. Cheguei na cerca do lado de fora, peguei a Frankenstina e voltei para a cidade para passar minha última noite em Poxoréu.