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sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Uma despedida e uma (re)chegada

Lembrando e avisando, aos novos leitores, que as partes entre parênteses são comentários de hoje, sobre o que escrevi na época.

Relato escrito dia 11/02/19: Dia 09, sábado. Este foi o dia de trabalho mais pesado, literalmente. Consistiu em carregar/descarregar areia para construção que o Beto queria fazer, que era o que iríamos fazer desde o começo, quando cheguei. No fim da tarde, com o sol já se pondo, corremos para a montanha para tentar acompanhar o pôr-do-sol, mas o horizonte estava nublado e só vimos uma faixa aberta. Voltamos não totalmente satisfeitos.

Dia 10, domingo. Depois de passarmos a manhã meio na preguiça, só eu e o Marc, porque o Beto tirou leite de duas vacas para bebermos e fazer queijo, depois do almoço começamos, finalmente, a mexer na obra. Eu e o Marc nos encarregamos de fazer a massa e o Beto ia colocando os tijolos. Neste dia, aconteceu o pôr-do-sol mais bonito, mas não pudemos ver, pois estávamos na obra. Vimos apenas a morraria pintada de laranja. Coisa linda! Pena que não vimos o projetor da luz que pintava os morros. À noite, ficamos no papo até a hora que o cansaço bateu. (O Marc era um cara muito legal. Conversava bem, aberto, divertido e ficava impressionado ou interessado por coisas simples que temos aqui no Brasil, que são comuns a nós, como a planta "dorme-dorme", ou sei lá como você a chama... Aquela que se fecha quando passamos o dedo nela. Porém, como todo bom francês, os hábitos de higiene pessoal não são os mais recomendados, pra dizer o mínimo. E eu sofria com isso, pois dormia numa cama que ficava de frente ao quarto onde ele estava. Após todo o trabalho, toda a caminhada, todo o calor, não tomava banho para ir dormir e, pior ou tão ruim quanto, apenas pendurava a camiseta para secar e a usava novamente no outro dia. No máximo, dia sim, dia não, revezando com outra camiseta. O cheiro era insuportável!)

Dia 11, segunda. Hoje, infelizmente, chegou o dia de ir embora. Fomos para a cidade por volta das 9h30. Chegamos na casa do Beto, na cidade, e peguei a Frankenstina para montar e partir. O Beto ainda tentou falar com alguns amigos para me ajudar a arrumar um emprego por aqui, mas sem sucesso. O jeito foi partir, após mais uma despedida, que é a pior coisa nesta vida "cigana". 

Fui, então, buscar o resto das minhas coisas que estava na casa onde havia me hospedado com a Helena. Fiz uma cara de cachorro pidão, quando falei que iria procurar um lugar para passar a noite, pois amanhã partiria para Coxim. Funcionou e deixaram eu dormir lá. Ainda tinha umas comidas que tínhamos comprado e garantiu dois almoços, uma janta e um lanche para a viagem. 

No meio da tarde, passando pela praça central, cruzei com um viajante, o famoso "hippie", fazendo seu artesanato no chão. Sentei para conversar um pouco. Me falou que viaja há 6 anos pelo Brasil, vindo da Venezuela, seu país de origem. Por algum tempo também foi de bike, mas agora só vai de ônibus. Logo depois, chegou seu companheiro de viagens, que se juntou a ele há 1 ano, saindo de uma cidade no norte de Goiás, onde largou tudo e partiu para acompanhar o hippie gringo. Então, voltei para a casa, lavei roupa, jantei e deixei as coisas mais ou menos prontas para partir.

(Relato escrito dia 16/02/19) Dia 12, terça. Chegou o dia de dizer tchau a Rio Verde de Mato Grosso. Pra variar, saindo atrasado. Acordei às 6h para arrumar as coisas e partir por volta das 7h, mas não deu. Fiquei com preguiça e eu sempre fico meio perdido sobre o que arrumar primeiro. Fora que algumas roupas ainda estavam úmidas. Porém, o que são algumas horas de atraso pra quem não tem horário? Só fui sair às 8h50, bem tarde já, mas sabendo que a viagem não era tão longa. Coxim, aí vou eu, de novo. 

Parei no único posto de gasolina que tem no caminho, na saída de Rio Verde de Mato Grosso, para calibrar os pneus, mas a máquina estava quebrada. Dei uma conferida "manual" e achei que dava para ir e fui. No caminho, eu sentia dificuldades para pedalar. Não ganhava velocidade nem nas descidas. Acreditei ser o peso da bike, mas ainda achava estranho. 

Cheguei em Coxim 12h30, 40 minutos a mais do que da primeira vez (eu estava mais pesado, também). Parei no restaurante "Cantinho da Peixada", que já havia ido antes, para pedir água e usar o wifi. Me deram a água, bebi virando e voltei para a bike. Quando já estava montando para partir, o menino do caixa perguntou se eu já tinha almoçado, pois eles poderiam me servir um prato. E eu ia recusar??? Me trouxeram um pratão com arroz, pirão, macarrão, farofa e uns 10 filés de peixe frito. Nem consegui comer tudo. Agradeci ao garoto e parti. 

Ao lado do restaurante tem um posto. Parei lá para calibrar os pneus e consertar o selim que estava caindo (tava meio folgada a alavanca). Normalmente, eu coloco 30-32 libras em cada pneu. O traseiro estava com 20 e o dianteiro 23. Não era de se estranhar que não estava ganhando velocidade (fora que o selim estava "dançando" por estar meio frouxo). E sorte que nenhum pneu furou, só que o selim estava quase desenganado. Precisaria fazer um transplante em breve. 

Saí do posto e fui até o corpo de bombeiros tentar descolar uma hospedagem. Não deu, pois não autorizam civis a se hospedar. Me indicaram um albergue e explicaram como chegar. Cheguei lá e não funcionava mais. Fui, então, em busca da velha conhecida, mas não tão velha assim, igreja católica. Na primeira que encontrei, não havia ninguém. Nem sinal de alma viva. Fui à uma casa, numa rua lateral, perguntar para um senhor que horas o padre estaria lá. Ele disse que o padre só vem uma vez por semana e me perguntou se era para hospedagem. Eu disse que sim e ele falou que eu poderia me hospedar ali. Perguntei aonde e ele apontou para a casa onde estava, assim, sem mais nem menos. Ele é conhecido na cidade como "Professor Eron" e a casa é uma das casas que ele tem para alugar e estava sendo pintada após a saída do último inquilino. Me falou que foi hippie na década de 70 e já tinha viajado muito e passado por vários apertos, então, agora, ele quer ajudar os viajantes. Buscou um colchonete e lençol e permitiu que eu ficasse até eu arrumar um emprego ou até ele alugar a casa. A casa está sem luz e preciso ficar caçando tomada para carregar o celular, mas tem água e dá para usar o banheiro e tomar banho, além das minhas coisas estarem seguras. De noite, fui visitar minha amiga Naiely antes de tomar um açaí e capotar.

Dia 13, quarta. Acordei com dois objetivos em mente: fazer os exames de sangue para doença de Chagas e outros mais, check-up geral, e terminar de resolver as questões de documentação (uma das coisas, era pedir baixa no meu CREF. Pra quem não sabe, sou formado em educação física, mas já havia mais de 1 ano que não trabalhava na área e não pretendia voltar). Fui ao hospital de manhã e vi que os exames só são coletados das 6-8h da manhã de segunda-sexta. Já era quase 10h e tinha um pouco de gente, então resolvi voltar depois. Fiquei enrolando pela cidade, dando rolê, indo aqui e ali até o final da tarde, quando a Naiely chegou e fui à casa dela. 

Quando saí da casa dela e voltava para a casa do "velho hippie", o Professor Eron, passei em frente à casa onde ele morava (por acaso) e ele estava sentado em uma cadeira na calçada (ahhh, o interior... Podemos ficar sentados na calçada até tarde da noite, conversando, tomando tereré, sem medo, sem preocupação). Ficamos conversando por alguns minutos e vim dormir.

Dia 14, quinta. Havia me proposto a fazer os exames e procurar emprego. Coloquei o celular para despertar às 6h. Acordei às 8h30 com o relógio do celular apontando 22h25. Ele faz isso às vezes. Fazer os exames não dava mais, só me restava procurar emprego. Levantei e fui me arrumar. Quando saí, o selim afrouxou de novo e me obrigou a guardar a bike e seguir a pé. Ainda passei na serralheria para tirar mais uma parte da caixa, que acredito ter sido o motivo de ter afrouxado o selim. 

Na hora do almoço, comecei uma saga para encontrar um restaurante barato. Nessas horas, sinto falta de Campo Grande, com seus restaurantes a R$5,00 e marmitas a R$18,00, mas que me alimentava por 3-4 dias, guardando em geladeira. Cheguei num, indicado, às 12h30 e me foi informado que já havia encerrado, pois havia acabado a comida (ahhh interior... tem dessas também, hehehe). Parti à caça de outro. Andei a avenida inteira e não encontrei nenhum. Fui então para as paralelas. Andei por uns 10-15 minutos fazendo curvas e pegando ruas diagonais que quase me perdi. Ainda bem que meu senso de direção é bom e retornei à rua paralela à avenida. 

Cheguei a uma espécie de feira/camelódromo. Um galpão aberto, só coberto por um telhado alto com vários stands vendendo de tudo. Arrisquei ali e achei. R$13,00 o almoço e não aceitava cartão, só dinheiro. Por sorte, e experiência, eu estava com dinheiro. Perguntei o que tinha e a resposta foi "arroz, feijão, frango, farofa, purê... e só". Eu dei risada e pedi um deste. Pedi também uma cerveja. Só tinham (sem propagandas grátis), custando R$7, 8 e 6 respectivamente. Agradeci ao tradicionalismo do povo que só bebe as clássicas "suco de milho e cevada" e pedi a puro malte que estava mais barata. Terminando o almoço, fui fazer hora a tarde. 

Passei por um lugar que estava com uma placa que dizia: "No dia 14/02, fecharemos às 15h por luto". Fiquei pensando em como eles sabiam que alguém iria morrer... Voltei para o lugar onde estava passando minhas tardes: uma loja de açaí com wifi e tomada para carregar o celular. Fiquei esperando dar a hora da Naiely sair do trabalho para ir a casa dela. Preciso bater o ponto. 

Na volta para a casa onde estava, encontrei novamente o Professor Eron, em frente à sua casa. Me falou que uma família mudaria para cá na segunda, 18, mas que eu poderia ficar até domingo. Preciso encontrar o Padre Arley, que conheci em Rio Negro (ele havia me dito que seria transferido para Coxim. Iria tentar uma pousada com ele novamente).

Dia 15, sexta. Esqueci que os exames precisam ser feitos em jejum e já tinha comido. Ficaram para depois novamente. No almoço, uma marmita de R$15,00 que dividi pra duas refeições e lá vou eu de novo para o açaí passar a hora. Minha tia Cláudia me mandou um livro que conta a história de pai e filho que saíram de Itajaí-SC rumo a Ushuaya de bicicleta. Se chama "Pedalar é possível". Comecei a ler o livro já querendo parar, por vários motivos: é mal escrito, começa com um resumo que conta muita coisa, pontuação toda errada, acentuação idem e a história tem início no dia 22/02/16, um dia antes da morte da minha esposa (desculpa tia, não sei se você leu, mas eu aguentei e li até o final. É até interessante a história. Apesar dos problemas, é legal ver o desenrolar dos eventos). Ah, o livro está na 2ª edição. Não sei se era pior ou se o novo editor estragou tudo. De noite, fui novamente para a casa da Naiely bater o ponto. Acabei dormindo lá mesmo.

Dia 16, sábado. Hoje foi dia de faxina na casa da Nai e aproveitei para lavar a roupa suja. À noite, ela foi para o aniversário de um amigo e eu voltei para a casa do "velho hippie".

(Fiquem com uma foto do pôr do sol na margem do Rio Taquari para ilustrar este post "sem figuras")

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