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segunda-feira, 6 de abril de 2020

Desbravando o Pantanal sul-matogrossense, parte 4/6

Antes de começar o post de hoje, gostaria de dizer algumas coisas: os relatos que tenho feito aqui, aconteceram antes de eu começar a viajar de bicicleta, quando ainda estava pensando apenas em fazer um mochilão pelo Brasil, parando ocasionalmente para trabalhar e fazer dinheiro. Logo chegarei na parte em que começo meu tour no pedal. Gostaria de dizer também, que o relato de hoje é sobre a melhor experiência que tive no Pantanal, de todas as que tive. Vamos a ele então.

Como vocês já devem saber, pelo menos quem leu os últimos relatos sabe (aliás, se manifestem: por aqui, pelo Facebook, pela Instagram, pelo whatsapp, por latinhas com barbante...), voltamos para o ponto de encontro dos turistas com os transportes das fazendas respectivas a cada reserva para seguirmos para a última fazenda que visitaríamos nesta nossa excursão pelo Pantanal de Corumbá: a Fazenda São João. Esta fazenda fica um pouco mais à frente do que a que estávamos, a Santa Clara, relatada no post anterior, cerca de 25 ou 30km adentro da estrada parque.

Chegamos na fazenda e comecei a ficar mais animado, pois estava achando que seria apenas mais uma fazenda "fake" com tudo montado e ensaiado pra turista ver. Estava enganado. Logo na entrada, pude ver campos alagados ao redor do caminho de ligação da estrada com a fazenda, mesmo sendo aquela data o auge da época seca. Foi o primeiro ponto surpreendente. Ainda fazia frio, mas vimos várias araras azuis em uma árvore seca e acima da placa de identificação do local, comendo algumas frutas deixadas ali pelos trabalhadores. Na hora que chegamos, por volta das 15 ou 16h, só havíamos nós dois de hóspedes, todos os outros estavam em passeios. Por "todos os outros", entenda um casal de poloneses. Ao longo do dia e da noite, foram chegando outros visitantes: um grupo de japoneses, alguns ingleses, um casal de um esloveno e um, se não me engano, israelense e alguns holandeses ou alemães (loiros gigantescos).

Araras-azuis na entrada

Campos alagados entre a fazenda e a estrada parque

Maritacas barulhentas. Reclamando? De jeito nenhum! 

Campos alagados na lateral da fazenda

Mais araras-azuis

Logo na entrada, do lado esquerdo, fica localizado o restaurante e o guichê de check-in; de frente ao restaurante fica o estábulo onde ficam os cavalos para os passeios e para trabalho dos peões também; ao lado do restaurante fica o escritório da fazenda; seguindo entre o restaurante e o estábulo, passando pelo escritório, ficam os quartos da hospedagem, após um redário coberto. Havia um galpão meio vazio, meio em reforma (que deu uma impressão de abandono) e o quarto que ficamos ficava atrás, indo pelo lado esquerdo; era um quarto com beliches para uso coletivo. Os quartos individuais ficavam no mesmo local, porém indo pelo lado direito do galpão. Após nos instalarmos, tiramos o resto da tarde para andar pela fazenda, tirar fotos, relaxar e comer umas bolachas com chá no restaurante, enquanto aguardavamos a chegada da noite que traria a janta e nosso primeiro passeio, uma trilha noturna pela estrada parque. Já falei que ainda fazia frio? Não estava tão frio como nos dias anteriores, mas ainda não estava quente. Até neblina baixou.

Gavião carcará (se não estiver enganado) descansando ao lado de outros dois habitantes locais, apreciando o pântano aos fundos da fazenda.

Neblina, pra quem não acreditou.

A Helena estava tentando, desde a nossa primeira parada, fazer uma fogueira com os guias e peões, para uma roda de conversa e cachaça com os turistas, uma verdadeira experiência pantaneira, mas não havia conseguido ainda. Desta vez, parece que iria rolar. Seria após a volta do passeio noturno. Voltamos ao quarto, tomamos banho e nos preparamos para a janta e para o passeio noturno. Comida muito gostosa e, o principal, sem suco de mentira. Na hora da saída para o passeio, a Helena não quis fazer, dizendo que tava muito frio e cansada. Fomos então eu e o guia (os únicos brasileiros), o casal polonês, o casa israelense/esloveno, a inglesa e talvez mais alguém que eu não me lembre. O grupo conversava muito, principalmente o guia, e falando alto, o que fez com que não avistássemos quase nenhum animal, com exceção de um veado já na nossa volta e um outro, que foi o ponto alto do passeio: um filhote de jacaré. Porém, o surpreendente foi como o avistamos.

Quem viu primeiro foi alguém do grupo, mas não sabia o que era, apenas viu que tinha algo (alguns do grupo carregavam lanternas, e o segredo para avistar animais no escuro, qualquer animal, é focar a luz no olho do aninal, que emitirá um reflexo. Claro que não sabemos onde o animal estará, então ficamos jogando a luz para todos os lados à procura do brilho). Quando o guia foi chamado, ele viu que era um filhote de jacaré e disse que iria lá buscá-lo para nós o vermos de perto. O filhote estava numa parte alagada descansando no meio da vegetação e na água turva. Todos nós estávamos com calçado e perneira (caneleira de couro para proteger contra mordida de cobra), inclusive o guia. Ele pediu para que eu focasse no bichinho enquanto ele tirava calçados e perneiras. Quando tirava a segunda perneira, após ter tirado as duas botas e a primeira perneira, o lacostezinho mergulhou e sumiu, sem que o guia visse. Eu falei pra ele o que aconteceu com desânimo na voz, sabendo ser impossível de reencontrar o bicho no meio das plantas, em água turva, de noite! Porém, o guia confiante, disse que iria lá buscar a lagartixa anabolizada.

Entrou na água e começou a caminhar cuidadosamente, observando e procurando, atentando onde pisava, até que, 3 ou 4 passos depois, agachou e enfiou a mão na água trazendo consigo aquela miniatura de godzila. Foi o segundo ponto surpreendente. Não preciso nem dizer o quanto fiquei abismado com aquilo, com a sabedoria, conhecimento e domínio da terra e do terreno, bem como da fauna, que aquele homem pantaneiro semi-analfabeto tinha nos mostrado. No final do dia, a fogueira até foi feita, mas ninguém ficou para ver, foram todos dormir nos seus quartos e camas quentes.

Alguns arriscaram passar a mão, e eu fui um deles, com medo e respeito.

Fui dormir em êxtase pelo que pude presenciar, sem poder contar a ninguém, pois não tinha wi-fi na fazenda e a Helena já dormia. No dia seguinte, no café da manhã, contei o que acontecera na noite anterior e me aproximei do casal polonês. Eu era o único brasileiro no local que falava inglês, e eles estavam desesperados para se comunicar, pois já havia 3 dias estavam lá, fazendo passeios com guias que não compreendiam, nem eram compreendidos. O passeio seguinte, o último, tanto da fazenda, como desta visita ao pantanal, parece que foi escolhido para fechar com chave de ouro: cavalgada pelos pântanos e por uma floresta. Eu nunca havia andado a cavalo e estava louco de vontade de fazê-lo. Novamente a Helena não quis fazer o passeio, mas desta vez acredito que foi por querer fazer marketing com o pessoal da fazenda, mas também imagino que ela já tenha andado muito a cavalo. Talvez não pelo Pantanal, mas não teria o mesmo peso que pra mim, que nunca havia andado. Porém, mesmo assim, tenho certeza que ela perdeu, pois foi demais!!! Com exceção do esloveno "pitizento", que ficou gritando e brigando/reclamando com o cavalo durante TODO o passeio, o que já estava me tirando a paciência, e o fato de eu mesmo ter tido um pouco de dificuldade de controle do animal, foi espetacular. Começamos atravessando o alagado aos fundos da fazenda em direção a um outro alagado maior mais à frente, onde subimos um pouco e entramos num bosque, ou uma pequena floresta. Durante o trajeto, avistamos apenas alguns pássaros, um jacaré e um tatu, mas só de andar a cavalo por pântanos já valeu a pena.

Tatu que avistamos pelo caminho. Não tenho certeza, mas imagino que seja um tatu galinha

O cavaleiro!

Voltamos para a fazenda para almoçarmos e, mais uma vez, pela última vez, juntarmos as coisas para ir embora. Porém, desta vez, estava satisfeito. Eu havia, finalmente, me sentido DE VERDADE no Pantanal. Local simples, com mata nativa e original, sem gramadinho bem aparado, sem lugar enfeitado, sem coisas "fake", campos alagados em todo o derredor e, um detalhe simples que pra mim é positivo, sem wi-fi e sem sinal de celular. Como falei no começo do post, de todas as experiências que tive no Pantanal, esta foi, disparada, a melhor.

2 comentários:

  1. Ri muito com os adjetivos dados ao jacarezinho... Kkkk
    Pena que a fogueira foi acesa mas não houve roda de conversa...

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    Respostas
    1. Hehehehe. Pois é, mas nem os guias e peões ficaram. Hahaha

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